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EDUCAR É, ANTES, SENTIR... E TODOS SÃO CAPAZES DISSO.

quarta-feira, 22 de março de 2017

DEPRESSÃO: ACEITAÇÃO E RESPEITO – PARTE I (DEPRESSION: ACCEPTANCE AND RESPECT - Episode One)

POR MARI MONTEIRO



Volta e meia eu penso no que “falta” para entendermos e; sobretudo, para respeitarmos a pessoa que sofre de depressão. Não entrarei aqui no mérito da discussão clínica sobre este mal. Já existem muitos estudos e artigos sobre isso. O que me permite afirmar que não se trata de falta de informação. FALTA NOÇÃO MESMO. Faltam bom senso e vontade de COMPREENDER a situação e as circunstâncias que envolvem (e que ABSORVEM) uma pessoa deprimida. Falta SENSIBILIDADE E EMPATIA.

Farei uso de muita metáfora e usarei de muita licença poética para ser o mais fiel possível ao que sinto e ao que penso sobre isso. A abordagem aqui é com base no meu “estado de depressão”. Sofro deste mal (e de outros dele advindos há muitos anos). O motivo? Não há um motivo específico no meu caso (e cada pessoa “desenvolve” a depressão por motivos completamente diferentes). O que aconteceu foi que somatizei fatos por anos, achando “BUNITO” ser forte. A sociedade (incluindo família, escola, colegas, amigos...) me ensinou que gente boa  é gente que presta pra trabalhar e que não fica se lamentando e chorando pelos cantos.

Resultado: uma hora surge um gatilho, que pode ser uma demissão; um grito; uma ruptura ou um olhar de acusação. É o que chamo de “UMA QUEDA EM SI”. E dói.  Assim como num tombo, com o sangue ainda quente, não sentimos a dor de imediato. Mas, à medida em que nos “acomodamos” na cama, no travesseiro (na falta de um colo), a dor surge devagarinho e mansa, encontrando um lugar ou vários lugares para se instalar como quem toma posse de um terreno.

Porém, diferentemente do tombo, seus hematomas não são visíveis. Não posso engessar o membro quebrado; não posso tomar uma injeção para baixar a febre e não aparecerá nada na tomografia feita no aparelho mais avançado do Planeta. E assim começa a saga.



Primeiro, leva-se um tempo enorme pra que algum médico (desses que  agente encontra um em cada 100), que te olha nos olhos, faz perguntas e levanta a hipótese de depressão. E não estou falando de terapeutas, estou falando dos clínicos gerais dos SUS, que é aonde vamos à busca da cura pro corpo, porque não entendemos o cansaço, o desânimo, o sono ou a falta dele.

Enquanto o diagnóstico não chega, estamos  - segundo os médicos – com virose. E, segundo as pessoas mais próximas, estamos é com preguiça mesmo. E gente fica orbitando entre estes “diagnósticos e essas acusações” por tempo indeterminado. E, pior, nesse período sem prazo estimado para terminar, forçamos nosso corpo e nossa mente para agir normalmente. E, quando não conseguimos, nos enchemos de CULPA.

 



Sofrimento dobrado. Os sintomas não somem. Quanto mais camuflamos – sim, porque chega uma hora que a culpa por sentir-se mal é tanta que a gente quer disfarçar, para evitar perguntas e mais acusações – mais ferozmente eles nos consomem por dentro. Uma tristeza absurda, uma escuridão que só a gente vê, uma voz que ninguém ouve porque a gente já não fala e, quando fala, a gente só sussurra temendo as represálias... Ou, simplesmente porque cansamos de ouvir coisas como:

- “Levanta, que preguiça é essa?”.

O corpo não quer levantar, está pesando uma tonelada. E, por mais que eu saiba que tenho deveres e obrigações, ele não obedece. Minha mente não tem “força” suficiente para “dar ordens” a ele. Aprendi que forçar e não respeitar o próprio ritmo,  afim de – gradativamente – melhorar, só faz com que  a gente se afunde. A cama vira areia movediça.


- “Ah se você soubesse o que passei! E olha:  estou aqui?”. “ O que te aconteceu não chega nem perto do que passei.”

Gente, não faz isso! É uma das piores coisas que podem ser ditas a uma pessoa. Entre outras consequências, pode fazer com que a gente pense que é um fracasso como pessoa, como profissional, como tudo... DOR NÃO SE MEDE!



- "Olha, por que você não encontra Jesus? Na minha igreja... bla, bla, bla...”.

Querido(a), a pessoa tem fé em algo. A questão é  a fraqueza em todos os âmbitos. Já vi depoimentos  de pessoas que praticaram determinadas doutrinas ou frequentaram alguma igreja  e melhoraram. Por algum tempo... Depois, na recaída, cadê “todo mundo”? Não descarto e nem desmereço essa possibilidade. A fé nos move. Seja lá fé em quê. Mas, já surtei algumas vezes quando me perguntam (como se eu fosse cega): “Você quer conhecer Jesus? Quer aceitar Jesus na sua vida?”.  Ora, já  o aceitei e o conheço à  minha maneira. Quando estou com paciência, peço que me descrevam Jesus. As respostas que mais ouço são: “Ah! Ele é maravilhoso!”; “Ele é generoso!”; “Ele só quer nosso bem!”. Aí respondo: “Pois é esse moço mesmo. Eu o conheço bem e gosto dele."



- "Saia de casa, vá ler um livro, arranje um namorado...”.

Existe uma frase que diz que se não sou um bom ímpar, não serei um bom par. Logo,  a questão não é namorar, ficar ou pegar alguém. Nossa autoestima não nos encoraja. Por outro lado, de uma coisa eu tenho certeza, estar só é o pior que pode acontecer. Isso no meu caso, pode não ser para o seu... O problema é associarem toda forma de depressão à falta de um(a) namorado(a).



- "Pense positivo, não se entregue”.

As coisas mudam de dentro pra fora. Tenha bons pensamentos... A gente sabe tudo isso. Mas, e pra fazer? A gente não consegue sem ajuda, seja dos amigos, de profissionais especializados  e de medicamentos. E nisso sou boa! Faço de um tudo (quando posso, financeiramente falando. Sim, porque a falta de dinheiro agrava a depressão rsrs; ou, no mínimo, inviabiliza alguns “paliativos” e tratamentos): meditação; dança; cinemas/séries; livros (inclusive de autoajuda! rs); viagens; projetos; cursos; vinhos; novos perfumes; maquiagem; conversas...


As pessoas estão, em sua maioria, muito bem intencionadas. Não duvido disso. A questão é que é tudo muito relativo. Não é possível padronizar a depressão, nem suas causas e nem suas consequências. Logo, o que parece ser “luz” pra mim, pode ser “escuridão” para o outro.


Quando paramos pra pensar, cansados de palpites, já  estamos viciados em tarjas pretas ou  em outro vício qualquer, porque já não há mais conversa que resolva, não há viagem que dê jeito, compras que aquietem o coração... Porque deixamos nossa alma com sede por tanto tempo que ela quase secou...




Hoje  entendo melhor dois versos de Renato Russo. No primeiro, ele diz:  “ANTES EU SONHAVA, AGORA JÁ NÃO DURMO.” Os sonhos fazem muita falta. E, apesar de ser muito sonhadora, os “assassinos” de sonos não perdem  a viagem: se não nos tiram o sonho, tiram o sono. O segundo é: “TENTEI CHORAR E NÃO CONSEGUI.” Chega um ponto em o choro não flui com a mesma intensidade e facilidade de antes e isso me incomoda muito. O choro sempre me fez bem, Porém, atualmente, não tenho conseguido chorar e se tem uma coisa da qual eu tenho medo é de “SECAR” por dentro. Acredito que já esteja colhendo os “frutos” dos tantos “palpites” socados na minha mente. Por vezes, escuto uma voz dizendo: "Não chore!". Não gosto dela.

Ainda bem que ouço outras coisas rsrs. “Mas, como pode? Você é tão alegre!” É a frase que mais ouvi  e ouço, quando digo que tenho depressão. Já cheguei até a confundir isso com bipolaridade, porque tenho muito senso de humor e dou muita risada. Li muito e entendi que posso ser depressiva  e, mesmo assim, ser bem humorada. O que, no meu caso, é meu melhor remédio.

Esta “história” não acaba aqui...
Até breve.


terça-feira, 14 de março de 2017

ANÁLISE DE CONTO: “VENHA VER O PÔR DO SOL”, de Lygia Fagundes Telles, (TALE ANALYSIS: "COME SEE THE PONY OF THE SUN", by Lygia Fagundes Telles)


POR MARI MONTEIRO







Que fique bem claro que a intenção deste artigo não é “entregar” ao leitor (seja ao fã de contos ou a alunos) um dever escolar pronto. Diferentemente disso, o que pretendo é PROVOCAR a curiosidade sobre esse gênero. Então, por que o uso da palavra “análise” no título? Porque não deixa de ser uma. Não conseguiria estimular a leitura deste (ou de outro) conto na integra sem “analisar” alguns trechos.


Costumo dizer os alunos que LEITURA BOA é aquela em que ENXERGAMOS cenário; personagens e circunstâncias, aquela em que “caminhamos e sentimos” junto com as personagens. E a escritora Lygia Fagundes Telles cumpre muito bem esse papel.



Lygia Fagundes Telles, nascida Lygia de Azevedo Fagundes (São Paulo, 19 de abril de 1923), é uma escritora brasileira, galardoada com o Prêmio Camões em 2005. É membro da Academia Paulista de Letras desde 1982, da Academia Brasileira de Letras desde 1985 e da Academia das Ciências de Lisboa desde 1987. (Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lygia_Fagundes_Telles (acesso em 13/03/2017)


Durante muito tempo – e, para alguns, ainda - o conto esteve à margem da Literatura. Particularmente, sempre admirei este gênero cujas características principais são:


- É uma narrativa linear e curta, tanto em extensão quanto no tempo em que se passa.

- A linguagem é simples e direta, não se utiliza muitas figuras de linguagem ou de expressões com pluralidade de sentidos.

- Todas as ações se encaminham diretamente para o desfecho.

- Envolve poucas personagens, e as que existem se movimentam em torno de uma única ação.

- As ações se passam em um só espaço, constituem um só eixo temático e um só conflito.

- A habilidade com as palavras é muito importante, principalmente para se utilizarem de alusões ou sugestões, frequentemente presentes nesse tipo de texto.


Além de fecundo na diversidade temática, os contos brasileiros são fecundos na produção. Talvez isso aconteça porque os contos produzidos no Brasil, principalmente a partir do Modernismo, tem adquirido identidade própria e se manifestado das mais diversas maneiras, de modo que dificilmente são fiéis às características acima citadas.


Podemos até arriscar falar sobre alguns tipos de contos, como os contos alegóricos, os contos fantásticos, os contos satíricos, os contos de fadas, entre outros, mas não podemos traçar características fixas para eles, justamente devido a essa liberdade que os autores têm de imprimir novas características a cada conto que produzem. (Fonte: http://www.infoescola.com/redacao/conto - acesso em 14/03/2017)



Em especial, o conto “VENHA VER O PÔR DO SOL”, contempla todas as características mencionadas. Reli várias vezes. É um dos meus preferidos. Prometo não fornecer “spoiler” (rs); mas destacarei alguns trechos e os respectivos comentários; lembrando que os comentários são muito pessoais. A cada nova leitura, eu me surpreendo “tirando outras conclusões”... A propósito, farei um esforço imenso para não ser tendenciosa quanto aos trechos apresentados.


►TRECHO 01

“(...) Podia ter escolhido outro lugar, não?
-Abrandara a voz.
- E que é isso aí? Um cemitério? Ele voltou-se para o velho muro arruinado. Indicou com o olhar o portão de ferro, carcomido pela ferrugem.
- Cemitério abandonado, meu anjo. Vivos e mortos, desertaram todos. Nem os fantasmas sobraram, olha aí como as criancinhas brincam sem medo acrescentou apontando as crianças na sua ciranda. (...)”

Reparem na possibilidade que temos, enquanto eleitores, de “VER” este lugar. Isso graças à sensibilidade da escritora e à sua agudeza de detalhes... Seguindo com leitura, até ouço as crianças, Acreditem.


►Trecho 02

“(...) - Não se zangue, sei que não iria, você está sendo fidelíssima. Então pensei, se pudéssemos conversar um pouco numa rua afastada... - disse ele, aproximando-se mais. Acariciou-lhe o braço com as pontas dos dedos. Ficou sério. E aos poucos, inúmeras rugazinhas foram-se formando em redor dos seus olhos ligeiramente apertados. Os leques de rugas se aprofundaram numa expressão astuta. Não era nesse instante tão jovem como aparentava. Mas logo sorriu e a rede de rugas desapareceu sem deixar vestígio. Voltou-lhe novamente o ar inexperiente e meio desatento. - Você fez bem em vir.(...)”

Neste trecho, evidenciam-se os traços de fisionomia, o que nos permite conhecer melhor a personagem e até mesmo supor suas intenções.


►Trecho 03

“(...) O mato rasteiro dominava tudo. E não satisfeito de ter-se alastrado furioso pelos canteiros, subira pelas sepulturas, infiltrara-se ávido pelos rachões dos mármores, invadira as alamedas de pedregulhos esverdinhados, como se quisesse com sua violenta força de vida cobrir para sempre os últimos vestígios da morte. Foram andando pela longa alameda banhada de sol. Os passos de ambos ressoavam sonoros como uma estranha música feita do som das folhas secas trituradas sobre os pedregulhos. Amuada mas obediente, ela se deixava conduzir como uma criança. Às vezes mostrava certa curiosidade por uma ou outra sepultura com os pálidos, medalhões de retratos esmaltados. (..)”

Bem, se você não conseguiu visualizar o local descrito no trecho um, certamente, conseguirá agora com uma riqueza de detalhes “atraente”.



►Trecho 04

“(...) - A boa vida te deixou preguiçosa? Que feio - lamentou ele, impelindo-a para a frente. - Dobrando esta alameda, fica o jazigo da minha gente, é de lá que se vê o pôr do sol. Sabe, Raquel, andei muitas vezes por aqui de mãos dadas com minha prima. Tínhamos então doze anos. Todos os domingos minha mãe vinha trazer flores e arrumar nossa capelinha onde já estava enterrado meu pai. Eu e minha priminha vínhamos com ela e ficávamos por aí, de mãos dadas, fazendo tantos planos. Agora as duas estão mortas.(...)”

A essa altura do conto, é completamente possível saciar parte da curiosidade que nos invade acerca das INTENÇÕES de Ricardo.


►Trecho 05 ( e último para não estragar a surpresa rs)

“(...) Ela cruzou os braços. Falou baixinho, um ligeiro tremor na voz. - Vamos, Ricardo, vamos. - Você está com medo. - Claro que não, estou é com frio. Suba e vamos embora, estou com frio! Ele não respondeu. (...)”

Suspense... Mais um “ingrediente” que não falta neste belíssimo conto.


Enfim, deixo aqui o convite para “VER O PÔR DO SOL” ou para revê-lo... Através da leitura deste conto e, depois, ao vivo. Porque a primeira coisa que a gente deseja, ao menos eu, quando termina a leitura é gozar de plena liberdade para olhar o sol se pondo até onde a vista alcançar. Pronto. Já falei por demais! rsrs










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