POR MARI MONTEIRO
CASA ARRUMADA
Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra
circulação e uma boa
entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro
cirúrgico, um
cenário de novela.
Tem gente que gasta muito tempo limpando,
esterilizando, ajeitando os
móveis, afofando as almofadas...
Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho
e percebo logo:
Aqui tem vida...
Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros
saem das prateleiras
e os enfeites brincam de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso
das refeições
fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa.
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém
dança.
Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor
perfumado no meio da tarde.
Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda
barbante,
passaporte e vela de aniversário, tudo junto...
Casa com vida é aquela em que a gente entra e se
sente bem-vinda.
A que está sempre pronta pros amigos, filhos...
Netos, pros vizinhos...
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados
por gente que brinca
ou namora a qualquer hora do dia.
Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar
com a cara da gente.
Arrume a sua casa todos os dias...
Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra
viver nela...
E reconhecer nela o seu lugar.
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
A cada vez que leio este poema de Drummond, muito me alegro, porque tenho um ideal de casa que, de tão simples, É COMPLEXO. Muito parecido com a descrição de Drummond; sobretudo, quando ele afirma que a casa deve ser arrumada para ficar com “A CARA DA GENTE”.
Durante alguns anos morei numa casa muito grande pra mim.
Minha casa era fria. E eu sou muito friorenta... Além disso, passava muito
pouco tempo lá e boa parte deste tempo num dos cômodos que tinha uma plaquinha
na qual se lia: “Meu quartinho”. Era um
quarto que se transformou em muita coisa: foi biblioteca; foi pista de dança;
foi escritório; foi confessionário.
Nesta
época, comecei a repensar meu “ideal de casa”. Tratei de iniciar uma
“PEREGRINAÇÃO DENTRO DE MIM”. Haveria algo que pudesse fazer. Precisava muito
de um lugar de referência, um lugar pra onde voltar e me sentir, literalmente,
EM CASA! A seguir, o clipe "meu reino", com abanda Biquini Cavadão:
Foi assim que comecei a listar mentalmente o que gostava
numa casa. Gosto de casa limpa. Uma vez limpa, gosto de certa DESORGANIZAÇÃO.
Opa, há gente habitando aqui. Um livro entreaberto; uma manta no sofá em dias de
frio; a taça usada para servir o vinho na noite anterior, esquecida no criado
mudo ou no tapete da sala...
Gosto de aconchego, de me deitar e ficar quietinha no escuro
do meu quarto; em outras horas, coloco o som alto e danço. Gosto de ver filmes horas a foi; assistir a
temporada inteira da NBA; futebol... E shows... E, se der vontade, como pipoca
na minha cama.
Conheço pessoas que moram BEM, mas vivem MAL. Todos nós
conhecemos. Existe aquele tipo de casa que, de tão linda e “chique”, parece
casa de novela (não vejo novela, mas já vi algumas cenas...). As casas são
lindas. Mas é só isso. Só lindas. Sem vida. Já cheguei a visitar (pouquíssimas
vezes, claro, mesmo porque não dá vontade de voltar) casas assim. Logo que entrei,
não sabia para onde ir e nem o que fazer. Tudo tão imaculado. Tudo tão no lugar
que, a impressão que tinha era que, se eu desse um passo, tudo desmoronava.
Sentar confortavelmente? Como? Se a anfitriã
s e estava na pontinha do sofá. E eu louca pra me esparramar naquele sofá
deslumbrante. Falta de educação da minha parte minha? Imagina. Só queria,
literalmente, EXPERIMENTAR O QUE É BOM.
Lembro-me que, nesta ocasião, pensei: “Será
que esta pessoa se deita neste sofá de vez em quando? Come pipoca com os filhos
nesta sala? Toma vinho com os amigos aqui?”.
Tem algo que muito me incomoda: o risco de nos tornarmos hóspedes
em nossas próprias casas. E eu já vivenciei isso. Quando me dei conta que
trabalhava demais para manter uma casa grande com TV a cabo (que eu não tinha
tempo de ver); com internet (que só usava para trabalhar MAIS); uma sala
aconchegante (que eu mal frequentava); um cachorro que eu amava (mas que
passava o dia todo sozinho); uma coleção de CDs (que não ouvia com a frequência
que gostaria).
Enfim, não posso afirmar que, atualmente, eu moro numa “casa
de Drummond” ou no “ideal de casa da Mari”. Mas, tenho meu canto, meu quarto. Um
lugar muito limpo; mas “desarrumado” ao meu modo. Um lugar que me agrada, onde
gosto de estar. Meu lugar de descanso; de estudos; de risos; de lágrimas; de
namoro; de conversas; de comer pizza; de tomar vinho; de rezar e de me
encontrar com meus “heróis” e com “meus monstros”. Um lugar cuja única regra é
SENTIR-SE À VONTADE. Paradoxalmente livre entre quatro paredes.
Sinta-se à vontade no meu PEQUENO REINO!
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