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EDUCAR É, ANTES, SENTIR... E TODOS SÃO CAPAZES DISSO.

segunda-feira, 18 de março de 2013

“HORÁRIO” DE BORDO SOBRE UMA VIAGEM QUE NINGUÉM DEVERIA FAZER


Por Mari Monteiro

São 9h31.  Estou aqui no Pronto Socorro do Hospital Nardine, em Mauá. Não me agrada os anonimatos por isso arriscam-me a dar o nome. Acabei de assinar minha ficha.  Soube que o tempo de espera varia entre 4 e 5 horas.

São 10h40. Já vi de um tudo por aqui; SAMU com pessoas atropeladas, filho com surtos psicóticos que espancaram a mãe, pacientes desmaiando e voltando a si por conta do acaso... Nenhum médico à vista.  Apenas as recepcionistas que, compadecidas, fazem o que podem. “Mas e a vida? E a vida o que é? Diga lá meu irmão” (Já dizia Gonzaguinha). No momento em que estes versos me vêm à cabeça, penso: "A VIDA SÓ VALE PARA QUEM A VIVE, QUANDO VIVE.” Para os outros, neste caso para as AUTORIDADES QUE GERENCIAM A SAÚDE (melhor dizendo, que gerenciam a doença da saúde pública), não vale muita coisa.


São 11h35. Escrevo, para não surtar, no verso de algumas páginas de um livro  que trouxe para ler. Isso para não expressar, literalmente, minha indignação e ser tomada como louca, pois neste país a maioria perdeu as forças acomodou, desistiu. Então, escrevo. O que mais fazer? ACEITEI O TEMPO DE ESPERA. NÃO TINHA OPÇÃO. Posso esperar, muito embora uma das piore sensações  do mundo (para mim) seja sentir o tempo se esvaindo em vão. Não sei como farei para não sucumbir à espera. Se colocar os fones de ouvido, talvez não ouça quando me chamarem. Leio mais um pouco e logo fico entediada. Não escolhi bem o livro. O autor fala de coisas que já li e fiz  muitas vezes na vida. Olho para as pessoas e empalideço de tristeza e de desconforto. O cheiro do lugar me dá náuseas.
Parte crucial: estou sentada (ainda, pois logo darei o lugar a alguém, está ficando cheio) em frente a uma placa com o seguinte slogan: “GESTÃO AMOR PELA CIDADE”. Será ironia ou será para “tirar uma onda com nossa cara mesmo, penso. Isso é um pronto socorro e, até onde sei, “pronto” é sinônimo de ligeiro, imediato...

São 12h40.  Aviso a recepcionista que, por conta das minhas queimaduras de 2º grau, não devo ficar muito tempo exposta num ambiente hospitalar e pergunto se até as 14h há possibilidade de atendimento. Fiquei animada. Ela disse que só havia duas pessoas na minha frente; mas alertou: há as urgências, as internações, os SAMUs que não param de chegar e (PASMEM!) tudo isso por conta de apenas UMA PROFISSIONAL que, a propósito é uma EXCELENTE profissional. Aguenta isso há tempos. E nunca a vi maltratar ninguém. Daí  eu reforço: A CULPA É DA TAL “GESTÃO AMOROSA”... Lembram do slogan?

São 13h31. Acabo de voltar do toalete (aliás, termo muito pomposo para o que vi: Não havia higiene, papel higiênico, toalhas para secar as mãos e nem lâmpada...). Tento adiantar algumas coisas por telefone. Recebi vários telefonemas de pessoas que pensaram que eu havia ficado internada devido a demora.
Neste momento ( se é que já não o fez) se pergunta: “POR QUE POSTAR ESTE ARTIGO NUM BLOG DE EDUCAÇÃO?”. Resposta óbvia: Saúde e Educação são DIREITOS BÁSICOS garantidos na Constituição Federativa do Brasil. Quanto a serem CUMPRIDOS, é uma outra história. Além disso, saúde educação são requisitos básicos para o desenvolvimento físico e intelectual do cidadão. E, por falar em cidadão, lembrei-me da Ouvidoria que me ouvirá muito em breve. Tem mais. Quanto maior o grau de instrução, maior a busca pelos seus direitos e pela compreensão destes. Mesmo porque, raros são os sujeitos que possuem em casa um exemplar da Constituição e se dispõem à leitura e à compreensão dos mesmos. Ora, é tudo uma questão de educação; sobretudo da educação formal, que se propõem a formar cidadãos... Um bom começo é o estudo de seus direitos e deveres. Decidi também que vou postar este artigo no site da Prefeitura, da Secretaria da Saúde e a quem mais possa interessar... Embora ainda acredite que deva interessar mais a nós mesmo: aqueles que necessitam de um serviço público de QUALIDADE, mas que AINDA NÃO APRENDEU a reivindica-lo. Independentemente do resultado das postagens, é uma ação que representa minha indignação... Hoje tão à flor da pele.

 

São 14h31. Acabo de voltar da Ouvidoria do Hospital. Decisão solitária. Fui muito bem recebida por uma senhora elegante chamada Auxiliadora (aliás, nome propício para o cargo. Disse isso a ela.). De forma educada e polida, após minha narrativa, orientou que eu fizesse a reclamação por escrito.  Achei pertinente, pois as autoridades do município devem achar que está tudo bem por aqui. Uma das coisas que me lembro de ter dito a ela é que a maioria dos munícipes, inclusive eu, sequer sabe o nome do “novo” Secretario da Saúde, dirá lutar pelos seus direitos enquanto pacientes. (mais uma vez, questões ligadas à cidadania e à EDUCAÇÃO). Não feliz com isso, voltando para a recepção, fiz uma breve pesquisa e nenhuma das pessoas, por mim indagadas, sabe o nome do Secretário. Saberei assim que consultar o site. Assumo minha culpa.
Nesta altura, o cenário era outro: alguns foram embora; pessoas há mais de cinco horas sem comer... Tudo isso agravado pelo fato de que a “SAÚDE MENTAL” do município deixou, do dia para a noite de atender aproximadamente sete mil pacientes.  Tratamentos interrompidos, como se fôssemos objetos descartáveis. Outra semelhança entre SAÚDE e EDUCAÇÃO: OBJETOS SÃO RECICLÁVEIS, PESSOAS NÃO!


São 15h30.  E ainda espero... Esperamos. Observo fisionomias distintas: faces frias e cansadas; agoniadas; pálidas e outras indescritíveis. E a Senhora Secretária da Saúde de Mauá,  (desculpe-me, não sei o seu título) Lumena Furtado,o que estará fazendo a esta hora? Já deve ter almoçado (e bem!); tomado seu café da tarde e deve estar sentada confortavelmente em seu gabinete.

São 16h29. Voltamos da ouvidoria (desta vez, umas dez pessoas me acompanharam, o restante... como já disse, ficou acomodado, cansado em suas cadeiras...). Recebemos a seguinte notícia: “ Quem quiser esperar será atendido, quem não puder, tem outras opções que, segundo os presentes até sexta –feira, não existiam.

São 17h30.  Esperando... Já nem me lembro do que comi na padaria. Seja lá o que foi não me fez bem. Agora não é mais apenas indignação. É INDIGNAÇÃO, HUMILHAÇÃO, FOME, FRIO e... DOR.

São 17h45. Eis que surge a Doutora Alessandra... Parece um sonho. Educada e serena, como sempre, começa a chamar os pacientes. Foi necessário mesmo TER MUITA EDUCAÇÃO para não proferir mais de uma dúzia de palavrões. Não que isso adiantasse a consulta, mas evitaria um possível infarto. Além disso, as pessoas lá presentes mereciam ouvir este tipo de coisa...

 São 18h30.  Após NOVE HORAS DE ESPERA (mais que um dia de trabalho!), deixo o “PRONTO” Socorro do Hospital, pronta para rezar muito para não precisar voltar tão cedo...
  

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