Translate

EDUCAR É, ANTES, SENTIR... E TODOS SÃO CAPAZES DISSO.

segunda-feira, 11 de março de 2013

O PROFESSOR E A SÍNDROME DA DEUSA DURGA (PROFESSOR AND THE GODDESS DURGA SYNDROME/ TEACHERS SICK)

Por Mari Monteiro

O PROFESSOR E A SÍNDROME DA DEUSA DURGA

Num determinado momento da minha carreira, respondi a uma indagação vinda de uma coordenadora pela qual nutro o mais profundo respeito. A pergunta foi: “Agora está tudo bem Mari?”. Eu disse: “Não. Não está tudo bem, porque não estou feliz e só sei ensinar de verdade quando estou feliz.”.

Desde então, passei a entender a SAÚDE EMOCIONAL do professor como sinônimo de SATISFAÇÃO e de FELICIDADE. Isso somado ao fato de que o professor – assim como todo e qualquer trabalhador – deve estar física e emocionalmente saudável e bem disposto.

Não que antes eu não prestasse atenção às mazelas e aos comportamentos dos meus colegas de trabalho (e às minhas próprias); mas, a partir deste fato, passei a fazê-lo com muito mais profundidade e sensibilidade. Foi então que percebi o quanto estamos FRAGILIZADOS E EXPOSTOS. Explico.  Fragilizados, porque somos alvos de cobranças cada vez mais esdrúxulas e extremas no sentido de dar conta de solucionar problemas há tempos cristalizados. E, expostos no sentido de que somos “vitrine”; ou seja, os profissionais que, diante da família, do sistema e dos alunos são os responsáveis pela educação.

Percebam que não especifiquei educação. Foi intencional. Atualmente, (nós, os professores, “ACUMULAMOS FUNÇÕES”; por muitas vezes, quero crer, inconscientemente). Ora somos pais, ora somos irmãos mais velhos, ora psicólogos, ora enfermeiros. Sou contra. Já dizia Paulo Freire “Professora sim, tia não!”. E isso foi dito, escrito e estudado há muito tempo. Contudo, continuamos exercendo múltiplas funções e, por serem tantas as nossas incumbências na resolução das problemáticas educacionais, todas as tarefas são executadas apressada e superficialmente. Logo, os problemas não são solucionados. E, o mais grave, ao nos ocuparmos de funções que pertencem a outras esferas, desviamo-nos do principal foco: ENSINAR COM COMPETÊNCIA.

Quando digo: “ensinar com competência”, me refiro ao aprendizado dos conhecimentos específicos da série em curso; ou seja, se o aluno cursa o quinto ano, ele tem o direito a adquirir conhecimentos desta série e nada menos que isso porque está “atrasado”. Para tanto, temos de estar isentos de outras preocupações, o que não nos exime do comprometimento com o todo, que é o bem estar geral do aluno. Porém, o que predomina é o desvio de foco. O olhar sobre o aprendizado do aluno é encoberto pelo olhar sobre os seus problemas sociais, pessoais e estruturais (o que inclui o fato de não ter sido alfabetizado COM ÊXITO na idade certa, que somente agora, depois de prejudicar milhões de alunos, decidiu-se que é de oito anos de idade!). Haja vista a temática das reuniões pedagógicas e conselhos de classe, onde nos pegamos, a todo o momento, falando dos problemas pessoais do aluno e não das suas expectativas de aprendizagem ou do seu prejuízo de conhecimento.

Tais procedimentos incidem numa série de outros fatores que nos fazem mal. Quando trazemos para nós a responsabilidade que é da família ou do Governo, responsabilidades estas que, obviamente, não damos conta de resolver, consequentemente,  sofremos uma imensa frustração que, não obstante, nos faz adoecer a médio e em longo prazo mental e fisicamente.

Há, no mínimo, três fatores gravíssimos advindos desta abordagem. Primeiramente, há uma boa parcela de professores trabalhando sem condições satisfatórias para tanto.  Em segundo lugar, sempre que assumimos as responsabilidades do Governo e resolvemos problemas que não são nossos, para ele (o sistema) estará tudo bem: “A educação vai bem, obrigada!. E em terceiro lugar, há os professores que já se afastaram da função totalmente sem condições. Pois, por mais que tentassem cumprir suas funções, ao abarcar para si tantas responsabilidades QUE NÃO SÃO SUAS (e que o sistema praticamente nos DOMESTICOU para pensar que isso tem outros nomes bonitos como: COLETIVIDADE, COOPERAÇÃO, SOLIDADRIEDADE etc.), chega um ponto em que a carga é por demais pesada e o cérebro envia a mensagem para o corpo: Não aguento mais!. Afinal, alguém precisa ser racional nesta relação.

Diante destes fatos, ficam alguns alertas: Sou professor e o aluno é minha responsabilidade como aluno; minha incumbência é ensiná-lo a educação formal de modo COMPETENTE e CORTÊS. Ao sistema, cabe fornecer estruturas para tal (número máximo de alunos por sala, dentre uma lista enorme que é parte de outra discussão). À família, cabe a PATERNIDADE RESPONSÁVEL (que, diga-se de passagem, até isso tem escolas que abraçam para si com as oficinas de pais... Gente! A cada um cabe o seu papel pelo amor de Deus! É também por isso que a educação brasileira vai de mal a pior em relação aos demais países... Porque não se coloca um ponto final no “jeitinho brasileiro”...). Cabe ainda à família a educação de um modo geral – aquela que dizem que vem de berço lembram? – para que o professor não passe metade de suas aulas implorando atenção e educação.

Há que se colocar em prática SOLUÇÕES que somente cabem ao Governo: fornecer formação contínua para o professor e,  para tanto, não bastam os horários de trabalho pedagógico realizado na própria escola. O professor tem que ganhar um salário que lhe permita viver com DIGNIDADE trabalhando em uma ÚNICA escola, a tão falada exclusividade; limitar o número de alunos por sala em 25; fornecer aos alunos LIVROS DIDÁTICOS CONSUMÍVEIS: o aluno precisa ter o direito de grifar seu próprio livro, de responder em suas páginas para não perder tempo copiando tudo no caderno, porque o livro precisa pertencer a mais dois alunos depois dele... Isso é pura perda de tempo; sem contar o precário acesso (ou a falta dele) à tecnologia na maioria das escolas. Estas supostas soluções são apenas algumas ações por mim pensadas (há tempos). Sei que se nos juntarmos, encontraremos muitas outras mais criativas e mais eficientes.

Fato é que não pretendo nomear culpados. Mas reafirmar que são muitos os problemas sem soluções e que, invariavelmente, quem responde por isso é o professor. As soluções parecem distantes; muitas promessas e poucas ações; muita mídia “para inglês ver”. Enquanto isso, nós continuamos sofrendo uma TERRÍVEL METAMORFOSE: estamos nos transformando (e, lamentavelmente, muitos de nós já concluiu há tempos o processo de transformação) na deusa DURGA. “(...) Durga é descrita como um aspecto guerreiro da Devi Parvati com 10 braços, que cavalga um leão ou um tigre, carrega armas e assume gestos simbólicos com a mão. Esta forma da Deusa é a encarnação do feminino e da energia criativa. (...)http://pt.wikipedia.org/wiki/Durga (acesso em 10/03/2013).  Escolhi esta deusa justamente pela nossa semelhança física e psicológica com ela. Pensemos; se temos DEZ braços, podemos fazer muito mais coisas ao mesmo tempo (daí o fato de assumirmos responsabilidades de outrem); se somos GUERREIROS - podemos tudo, somos invencíveis... E nem adoeceremos. Imagina que maravilha para as estatísticas do Governo: Todos os professores dando conta de tudo, não sofrendo nenhuma forma de agressão física ou verbal (somos guerreiros, lembram?), não adoecemos, somos deuses; no mínimo, semi deuses...

Enfim, o mais lamentável disso tudo é que, como toda síndrome, ela avança ou regride (dependendo do tratamento e da consciência que se tem dela). E, não raro, num estágio mais avançado da metamorfose, nos esquecemos de “descorporificar” a deusa DURGA e a levamos conosco para casa, para nossa vida social e familiar; o que nos dá a falsa e PERVERSA ideia de que podemos resolver tudo sozinhos. NÃO PODEMOS! PRECISAMOS CUIDAR DE NÓS! PRECISAMOS DE TEMPO PARA NÓS MESMOS, PARA O ÓCIO CRIATIVO. Para, quem sabe assim, desvestir a DURGA e retomar nossa essência que se perde a cada dia. Ah! Ia me esquecendo, os deuses são por demais sérios, caras fechadas... O que me lembra de nossa atual existência: um grande número de professores doentes, entristecidos, cabisbaixos e deixando de VIVER apenas SOBREVIVENDO, acostumados com a apatia e com o descaso das "autoridades" da área educacional. 

COMENTE!