Por Mari Monteiro
O
PROFESSOR E A SÍNDROME DA DEUSA DURGA
Num determinado momento da minha carreira, respondi a
uma indagação vinda de uma coordenadora pela qual nutro o mais profundo
respeito. A pergunta foi: “Agora está
tudo bem Mari?”. Eu disse: “Não. Não
está tudo bem, porque não estou feliz e só sei ensinar de verdade quando estou
feliz.”.
Desde então, passei a entender a SAÚDE EMOCIONAL do professor como sinônimo de SATISFAÇÃO e de FELICIDADE.
Isso somado ao fato de que o professor – assim como todo e qualquer trabalhador
– deve estar física e emocionalmente saudável e bem disposto.
Não que antes eu não prestasse atenção às mazelas e aos comportamentos dos meus colegas de trabalho (e
às minhas próprias); mas, a partir deste fato, passei a fazê-lo com muito mais profundidade e sensibilidade. Foi então que percebi o quanto estamos FRAGILIZADOS E EXPOSTOS.
Explico. Fragilizados, porque somos alvos de cobranças cada vez mais esdrúxulas e extremas no sentido de dar conta de
solucionar problemas há tempos cristalizados. E, expostos no sentido de que
somos “vitrine”; ou seja, os
profissionais que, diante da família, do sistema e dos alunos são os
responsáveis pela educação.
Percebam que não especifiquei educação. Foi intencional.
Atualmente, (nós, os professores, “ACUMULAMOS
FUNÇÕES”; por muitas vezes, quero crer, inconscientemente). Ora somos pais, ora somos irmãos mais
velhos, ora psicólogos, ora enfermeiros. Sou contra. Já dizia Paulo Freire
“Professora sim, tia não!”. E isso foi dito, escrito e estudado há muito tempo.
Contudo, continuamos exercendo múltiplas funções e, por serem tantas as nossas
incumbências na resolução das problemáticas educacionais, todas as tarefas são
executadas apressada e superficialmente. Logo, os problemas não são solucionados. E, o mais
grave, ao nos ocuparmos de funções que pertencem a outras esferas, desviamo-nos do
principal foco: ENSINAR COM COMPETÊNCIA.
Quando digo: “ensinar
com competência”, me refiro ao aprendizado dos conhecimentos
específicos da série em curso; ou seja, se o aluno cursa o quinto ano, ele tem
o direito a adquirir conhecimentos desta série e nada menos que isso porque está
“atrasado”. Para tanto, temos de estar
isentos de outras preocupações, o que não nos exime do comprometimento com o
todo, que é o bem estar geral do aluno. Porém, o que predomina é o desvio
de foco. O olhar sobre o aprendizado do aluno é encoberto pelo olhar sobre os
seus problemas sociais, pessoais e estruturais (o que inclui o fato de não ter
sido alfabetizado COM ÊXITO na idade certa, que somente agora, depois de prejudicar milhões de alunos,
decidiu-se que é de oito anos de idade!). Haja vista a temática das
reuniões pedagógicas e conselhos de classe, onde nos pegamos, a todo o momento,
falando dos problemas pessoais do aluno e não das suas expectativas de aprendizagem ou
do seu prejuízo de conhecimento.
Tais procedimentos incidem
numa série de outros fatores que nos fazem mal. Quando trazemos para nós a
responsabilidade que é da família ou do Governo, responsabilidades estas que,
obviamente, não damos conta de resolver, consequentemente, sofremos uma
imensa frustração que, não obstante, nos faz adoecer a médio e em longo prazo
mental e fisicamente.
Há, no mínimo, três fatores
gravíssimos advindos desta abordagem. Primeiramente, há uma boa parcela
de professores trabalhando sem condições satisfatórias para tanto. Em segundo lugar, sempre que assumimos as responsabilidades
do Governo e resolvemos problemas que não são nossos, para ele (o sistema)
estará tudo bem: “A educação vai bem, obrigada!”. E em terceiro lugar, há os
professores que já se afastaram da função totalmente sem condições. Pois, por
mais que tentassem cumprir suas funções, ao abarcar para si tantas
responsabilidades QUE NÃO SÃO SUAS (e que o sistema praticamente nos DOMESTICOU
para pensar que isso tem outros nomes bonitos como: COLETIVIDADE, COOPERAÇÃO,
SOLIDADRIEDADE etc.), chega um ponto em que a carga é por demais pesada e o
cérebro envia a mensagem para o corpo: “Não
aguento mais!”. Afinal, alguém precisa ser racional nesta relação.
Diante destes fatos, ficam alguns alertas: Sou
professor e o aluno é minha responsabilidade como aluno; minha incumbência é
ensiná-lo a educação formal de modo COMPETENTE e CORTÊS. Ao sistema, cabe
fornecer estruturas para tal (número máximo de alunos por sala, dentre uma
lista enorme que é parte de outra discussão). À família, cabe a PATERNIDADE
RESPONSÁVEL (que, diga-se de passagem,
até isso tem escolas que abraçam para si com as oficinas de pais... Gente! A
cada um cabe o seu papel pelo amor de Deus! É também por isso que a educação
brasileira vai de mal a pior em relação aos demais países... Porque não se
coloca um ponto final no “jeitinho brasileiro”...). Cabe ainda à família a
educação de um modo geral – aquela que dizem que vem de berço lembram? – para
que o professor não passe metade de suas aulas implorando atenção e educação.
Há que se colocar em prática SOLUÇÕES que somente cabem ao
Governo: fornecer formação contínua para o professor e, para tanto, não bastam os
horários de trabalho pedagógico realizado na própria escola. O professor tem que
ganhar um salário que lhe permita viver com DIGNIDADE trabalhando em uma ÚNICA
escola, a tão falada exclusividade; limitar o número de alunos por sala em 25;
fornecer aos alunos LIVROS DIDÁTICOS CONSUMÍVEIS: o aluno precisa ter o direito
de grifar seu próprio livro, de responder em suas páginas para não perder tempo
copiando tudo no caderno, porque o livro precisa pertencer a mais dois alunos
depois dele... Isso é pura perda de tempo; sem contar o precário acesso (ou a falta dele) à tecnologia na maioria das escolas. Estas supostas soluções são apenas
algumas ações por mim pensadas (há tempos). Sei que se nos juntarmos,
encontraremos muitas outras mais criativas e mais eficientes.
Fato é que não pretendo nomear culpados. Mas reafirmar
que são muitos os problemas sem soluções e que, invariavelmente, quem responde
por isso é o professor. As soluções parecem distantes; muitas promessas e
poucas ações; muita mídia “para inglês ver”. Enquanto isso, nós continuamos
sofrendo uma TERRÍVEL METAMORFOSE: estamos
nos transformando (e, lamentavelmente, muitos de nós já concluiu há tempos o processo de
transformação) na deusa DURGA. “(...) Durga é
descrita como um aspecto guerreiro da Devi Parvati com 10 braços, que cavalga
um leão ou um tigre, carrega armas e assume gestos simbólicos com a mão. Esta
forma da Deusa é a encarnação do feminino e da energia criativa. (...)” http://pt.wikipedia.org/wiki/Durga (acesso em 10/03/2013). Escolhi esta deusa justamente pela nossa
semelhança física e psicológica com ela. Pensemos; se temos DEZ braços, podemos fazer muito mais coisas ao mesmo tempo
(daí o fato de assumirmos responsabilidades de outrem); se somos GUERREIROS - podemos
tudo, somos invencíveis... E nem adoeceremos. Imagina que maravilha para as
estatísticas do Governo: Todos os
professores dando conta de tudo, não sofrendo nenhuma forma de agressão física
ou verbal (somos guerreiros, lembram?), não adoecemos, somos deuses; no mínimo, semi deuses...
Enfim, o mais lamentável disso tudo é que, como toda
síndrome, ela avança ou regride (dependendo do tratamento e da consciência que
se tem dela). E, não raro, num estágio mais avançado da metamorfose, nos
esquecemos de “descorporificar” a deusa DURGA e a levamos conosco para casa,
para nossa vida social e familiar; o que nos dá a falsa e PERVERSA ideia de que podemos resolver tudo
sozinhos. NÃO PODEMOS! PRECISAMOS CUIDAR DE
NÓS! PRECISAMOS DE TEMPO PARA NÓS MESMOS, PARA O ÓCIO CRIATIVO. Para, quem sabe
assim, desvestir a DURGA e retomar nossa essência que se perde a cada dia. Ah! Ia me esquecendo, os deuses são por
demais sérios, caras fechadas... O que me lembra de nossa atual existência: um grande número de professores doentes, entristecidos, cabisbaixos e deixando de VIVER apenas SOBREVIVENDO, acostumados com a apatia e com o descaso das "autoridades" da área educacional.
Acredito que a cada um sua responsabilidade! Excelente, mas por vezes, mesmo sem ser professora, pois educador somos todos que assumimos nossas responsabilidades, me sinto sem forças ou coragem pra tentar influencia alguém a cumprir sua parte, é por demais exaustivo, por isso, sinto um enorme respeito a todos professores, educadores e todo aquele que direta ou indiretamente se doam a este oficio, em especial você D. Mari...Bjs
ResponderExcluirRosana, mimooooooooo!!! Que satisfação ler seu comentário!!! vc está coberta de razão. também sinto-me enfraquecida às vezes; por isso mesmo, escrevo para encontrar respaldo e forças em pessoas conscientes e sensíveis como vc!!!! Muitíssimo obrigada!!! Bjus
ResponderExcluirMari, tudo o que você escreveu está correto. Está mais do que na hora, de mudar essa situação. E as mudanças ocorrem exatamente a partir de cada um de nós, através da conscientização e da reflexão. O seu texto nos levar a refletir a respeito do nosso papel quanto professor, nas cobranças e na realidade a qual a educação se encontra. Gostei muito e assino embaixo.
ResponderExcluirQuerida Monica, Seu comentário foi um presente de aniversário!!! (hoje 17/03). Fico lisonjeada com sua participação. Honestamente, há opiniões que pesam mais que outras... E a sua é muito importante pra mim!!! Muitíssimo obrigada pela colaboração.
ResponderExcluirBju
Mari
Nossa amiga arrasou... Arrume um Deus Durgo para mim que estou bem assim mesmo...
ResponderExcluirkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
ResponderExcluirAi Daniel só você mesmo para me fazer rir...
Vou procurar um "Deus Durgo" pra vc!!!! urgente viu???
Valeu!!!
Apareça sempre!!!