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EDUCAR É, ANTES, SENTIR... E TODOS SÃO CAPAZES DISSO.

terça-feira, 14 de março de 2017

ANÁLISE DE CONTO: “VENHA VER O PÔR DO SOL”, de Lygia Fagundes Telles, (TALE ANALYSIS: "COME SEE THE PONY OF THE SUN", by Lygia Fagundes Telles)


POR MARI MONTEIRO







Que fique bem claro que a intenção deste artigo não é “entregar” ao leitor (seja ao fã de contos ou a alunos) um dever escolar pronto. Diferentemente disso, o que pretendo é PROVOCAR a curiosidade sobre esse gênero. Então, por que o uso da palavra “análise” no título? Porque não deixa de ser uma. Não conseguiria estimular a leitura deste (ou de outro) conto na integra sem “analisar” alguns trechos.


Costumo dizer os alunos que LEITURA BOA é aquela em que ENXERGAMOS cenário; personagens e circunstâncias, aquela em que “caminhamos e sentimos” junto com as personagens. E a escritora Lygia Fagundes Telles cumpre muito bem esse papel.



Lygia Fagundes Telles, nascida Lygia de Azevedo Fagundes (São Paulo, 19 de abril de 1923), é uma escritora brasileira, galardoada com o Prêmio Camões em 2005. É membro da Academia Paulista de Letras desde 1982, da Academia Brasileira de Letras desde 1985 e da Academia das Ciências de Lisboa desde 1987. (Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lygia_Fagundes_Telles (acesso em 13/03/2017)


Durante muito tempo – e, para alguns, ainda - o conto esteve à margem da Literatura. Particularmente, sempre admirei este gênero cujas características principais são:


- É uma narrativa linear e curta, tanto em extensão quanto no tempo em que se passa.

- A linguagem é simples e direta, não se utiliza muitas figuras de linguagem ou de expressões com pluralidade de sentidos.

- Todas as ações se encaminham diretamente para o desfecho.

- Envolve poucas personagens, e as que existem se movimentam em torno de uma única ação.

- As ações se passam em um só espaço, constituem um só eixo temático e um só conflito.

- A habilidade com as palavras é muito importante, principalmente para se utilizarem de alusões ou sugestões, frequentemente presentes nesse tipo de texto.


Além de fecundo na diversidade temática, os contos brasileiros são fecundos na produção. Talvez isso aconteça porque os contos produzidos no Brasil, principalmente a partir do Modernismo, tem adquirido identidade própria e se manifestado das mais diversas maneiras, de modo que dificilmente são fiéis às características acima citadas.


Podemos até arriscar falar sobre alguns tipos de contos, como os contos alegóricos, os contos fantásticos, os contos satíricos, os contos de fadas, entre outros, mas não podemos traçar características fixas para eles, justamente devido a essa liberdade que os autores têm de imprimir novas características a cada conto que produzem. (Fonte: http://www.infoescola.com/redacao/conto - acesso em 14/03/2017)



Em especial, o conto “VENHA VER O PÔR DO SOL”, contempla todas as características mencionadas. Reli várias vezes. É um dos meus preferidos. Prometo não fornecer “spoiler” (rs); mas destacarei alguns trechos e os respectivos comentários; lembrando que os comentários são muito pessoais. A cada nova leitura, eu me surpreendo “tirando outras conclusões”... A propósito, farei um esforço imenso para não ser tendenciosa quanto aos trechos apresentados.


►TRECHO 01

“(...) Podia ter escolhido outro lugar, não?
-Abrandara a voz.
- E que é isso aí? Um cemitério? Ele voltou-se para o velho muro arruinado. Indicou com o olhar o portão de ferro, carcomido pela ferrugem.
- Cemitério abandonado, meu anjo. Vivos e mortos, desertaram todos. Nem os fantasmas sobraram, olha aí como as criancinhas brincam sem medo acrescentou apontando as crianças na sua ciranda. (...)”

Reparem na possibilidade que temos, enquanto eleitores, de “VER” este lugar. Isso graças à sensibilidade da escritora e à sua agudeza de detalhes... Seguindo com leitura, até ouço as crianças, Acreditem.


►Trecho 02

“(...) - Não se zangue, sei que não iria, você está sendo fidelíssima. Então pensei, se pudéssemos conversar um pouco numa rua afastada... - disse ele, aproximando-se mais. Acariciou-lhe o braço com as pontas dos dedos. Ficou sério. E aos poucos, inúmeras rugazinhas foram-se formando em redor dos seus olhos ligeiramente apertados. Os leques de rugas se aprofundaram numa expressão astuta. Não era nesse instante tão jovem como aparentava. Mas logo sorriu e a rede de rugas desapareceu sem deixar vestígio. Voltou-lhe novamente o ar inexperiente e meio desatento. - Você fez bem em vir.(...)”

Neste trecho, evidenciam-se os traços de fisionomia, o que nos permite conhecer melhor a personagem e até mesmo supor suas intenções.


►Trecho 03

“(...) O mato rasteiro dominava tudo. E não satisfeito de ter-se alastrado furioso pelos canteiros, subira pelas sepulturas, infiltrara-se ávido pelos rachões dos mármores, invadira as alamedas de pedregulhos esverdinhados, como se quisesse com sua violenta força de vida cobrir para sempre os últimos vestígios da morte. Foram andando pela longa alameda banhada de sol. Os passos de ambos ressoavam sonoros como uma estranha música feita do som das folhas secas trituradas sobre os pedregulhos. Amuada mas obediente, ela se deixava conduzir como uma criança. Às vezes mostrava certa curiosidade por uma ou outra sepultura com os pálidos, medalhões de retratos esmaltados. (..)”

Bem, se você não conseguiu visualizar o local descrito no trecho um, certamente, conseguirá agora com uma riqueza de detalhes “atraente”.



►Trecho 04

“(...) - A boa vida te deixou preguiçosa? Que feio - lamentou ele, impelindo-a para a frente. - Dobrando esta alameda, fica o jazigo da minha gente, é de lá que se vê o pôr do sol. Sabe, Raquel, andei muitas vezes por aqui de mãos dadas com minha prima. Tínhamos então doze anos. Todos os domingos minha mãe vinha trazer flores e arrumar nossa capelinha onde já estava enterrado meu pai. Eu e minha priminha vínhamos com ela e ficávamos por aí, de mãos dadas, fazendo tantos planos. Agora as duas estão mortas.(...)”

A essa altura do conto, é completamente possível saciar parte da curiosidade que nos invade acerca das INTENÇÕES de Ricardo.


►Trecho 05 ( e último para não estragar a surpresa rs)

“(...) Ela cruzou os braços. Falou baixinho, um ligeiro tremor na voz. - Vamos, Ricardo, vamos. - Você está com medo. - Claro que não, estou é com frio. Suba e vamos embora, estou com frio! Ele não respondeu. (...)”

Suspense... Mais um “ingrediente” que não falta neste belíssimo conto.


Enfim, deixo aqui o convite para “VER O PÔR DO SOL” ou para revê-lo... Através da leitura deste conto e, depois, ao vivo. Porque a primeira coisa que a gente deseja, ao menos eu, quando termina a leitura é gozar de plena liberdade para olhar o sol se pondo até onde a vista alcançar. Pronto. Já falei por demais! rsrs










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