Por Mari Monteiro
Detachment,
novo filme de Tony Kaye, tem um título muito interessante e que é aberto para
várias interpretações. Em português, a palavra “detachment” significa
“desapego”, “indiferença”. Levando em consideração que o filme faz uma crônica
de alguns dias na vida de um professor substituo (Henry Bathes, interpretado
por Adrien Brody) numa infernal escola pública estadunidense, poderíamos até
dizer o filme faz reverência a um suposto desapego por parte dos professores
aos seus alunos, ou comenta e crítica tal desapego.
Porém,
se disséssemos isso, estaríamos mentindo. Detachment faz exatamente o
contrário: Ele condena quem não tem moral (ou vontade)
de encarar uma manhã e uma tarde com alunos que não estão interessados em
estudar e faz uma ode aos professores que se jogam nesse dia-a-dia. E
isto está muito claro desde o início do filme, quando somos apresentados a uma
epígrafe animada assinada pelo pensador Albert Camus (“E eu nunca me senti tão
imerso em uma pessoa ao mesmo tempo em que estou tão desapegado de mim mesmo e
tão presente no mundo”).
Portanto,
Detachment é um filme explosivo de um cineasta
explosivo. Tony Kaye, autor de dois filmes bombásticos sobre problemas sociais
urgentes (A Outra História Americana [American History X, 1998] discursa sobre
o neonazismo; Lake of Fire [idem, 2006] é um documentário que fala sobre
aborto), a partir de um roteiro assinado pelo estreante Carl Lund, tem em suas
mãos um filme em que ele pode apontar, pela primeira vez em sua carreira, sua
metralhadora não para as consequências das ações tomadas pelas vítimas do mal
abordado no longa, mas sim acusar as vítimas. Detachment não é uma investigação
sobre problemas — é um julgamento.
Uma
vez que estamos tratando das deficiências do sistema de
educação pública (mais conhecido pelo projeto “No Child Left Behind”), é
fácil traçar um paralelo com o excelente documentário Waiting for “Superman”
(idem, 2009) — afinal, Detachment adota uma mise-en-scene realista, quase
documental; ambos os filmes procuram mostrar a falácia do “No Child Left Behind”
(apesar de desviarem uma crítica direta ao seu criador, George W. Bush). Apesar
disso, as semelhanças entre os filmes param por aí. Detachment
é lírico, absurdo e gráfico; não está preocupado em fazer análises — para Kaye,
isso é perda de tempo: Ele está interessado em fazer acusações, não
ponderações. Desde o primeiro momento em que entramos na escola em que o filme
se passa, fica claro que o problema é muito mais dos alunos e da sua
diretoria do que de um hipotético despreparo dos professores (Waiting
for “Superman”, por sua vez, diz, entre outras coisas, que o problema está nos
professores que não têm qualificação suficiente).
Levando
seu espectador a lugares anaeróbicos e inóspitos, Tony Kaye mostra que continua
afiado e interessado na violência inerente no contato humano. Sua câmera é
frenética e procura causar desconforto na audiência; há pouca solenidade em sua
direção, mesmo quando a cena lhe propicia algo, digamos, mais clássico: Observe
que quase todas as cenas na escola em que Henry Bathes trabalha são filmadas
com a câmera na mão, utilizando uma lente extremamene angular e com um número
elevado de cortes. Portanto, mesmo que Detachment seja um filme que se segure
bastante nos diálogos, Kaye prova ser um diretor que tem a consciência de que a
tensão não é formada no roteiro (que é brilhante, verdade seja dita), mas sim
no conjunto da sua direção — se sua hand-held aliada a grande angular provoca
desconforto, o desenho de produção de Jade Healy aposta numa combinação de
branco e vermelho que deixa os ambientes áridos e nauseantes — vermelho este,
aliás, que está presente mesmo nas cenas que não se passam na escola, como
prova a segunda conversa que acontece entre a jovem prostituta de rua Erica
(Sami Gayle) e Bathes.(...)
Com tudo isso, deve-se levar em consideração que nem
todos estão preparados para assistir um filme de Tony Kaye — aqui está um
cineasta inovador, revolucionário; alguém que utiliza motivos clássicos num
filme e eleva-os a uma potência em que eles atingem uma nova tez. Há muita
trilha-sonora pomposa (excelente, assinada pelos Newton Brothers) e muita
câmera lenta. Falando assim, pode até parecer que Kaye é um cineasta que
simplesmente utiliza recursos clássicos a todo minuto, mas falar isso não é
nada além de preguiça intelectual. A questão é que ele é um cineasta explosivo;
alguém que não se furta a chance de utilizar os mais infinitos meios de passar
uma mensagem — às vezes, claro, você precisa gritar para se fazer ouvir, e Kaye
faz isso seja com a tal da câmera lenta, seja com música dramática ou com
animações extremamente gráficas (elas podem variar entre um fio de telefone
enforcando uma pessoa até moscas rodopiando ao redor de uma lâmpada — o que nos
revela um pouco da ótima montagem de Barry Alexander Brown e Geoffrey Richman).
No
mais, Detachment é um filme mais otimista que A Outra História Americana e mais
redondo que Lake of Fire (Tony Kaye ainda assinou Black Water Transit e Lobby
Lobster, mas esses filmes são obscuros demais e não achei para assistir).
Alguns podem achar que isso é uma tentativa de “se vender” ou de “encontrar
espaço nos estúdios” — afinal de contas, Kaye se tornou pária em Hollywood
depois de apresentar um comportamento infantil durante o processo de
pós-produção de A Outra História Americana que culminou com a sua própria
falência (e ele sabe disso).
Mas
pensar isso é baboseira. A questão é que Detachment fala sobre educação, sobre
o futuro do planeta — sobre crianças. Se não nos mantivermos otimistas sobre o
futuro delas, qual é o mundo que será habitado no futuro?
Detachment,
2011 / Dirigido por Tony Kaye. Com Adrien
Brody, Sami Gayle, Christina Hendricks, Lucy Liu, James Caan, Betty Kaye, Tim
Blake Nelson, Marcia Gay Harden, William Petersen e Brian Cranston
Fonte:
http://ornitorrincocinefilo.wordpress.com/2012/06/25/detachment-tony-kaye-2011/ (acesso em 03/04/2013)