POR MARI MONTEIRO
Nina cresceu ouvindo os adultos dizerem que, na virada do ano, se deve fazer um pedido. Apesar de achar um pedido só muito pouco, ele sempre o fez. Muitas vezes, de olhinhos fechados, apertava suas mãozinhas, como se isso fosse conferir mais forca ao seu pedido, e pedia logo uma lista de coisas boas. Amanhecia o primeiro dia do ano e ela esperava, pacientemente, dia após dia que seus pedidos fossem atendidos. Alguns eram atendidos. E, quando isso acontecia, ela pulava e chorava de alegria, mesmo não sabendo ainda quem os havia atendido.
Durante seus primeiros anos de vida, um dos principais pedidos de Nina era que sua família vivesse pra sempre. Ela não conhecia brinquedos caros para pedir; não via TV e, por isso, não desejava ir a outro lugar além das montanhas onde via o sol se por.
Mais tarde,
por volta de sete anos, Nina conhece outra realidade. A realidade da cidade
grande, da impessoalidade, dos dias que parecem passar mais rápido, da rispidez
de parentes que não conhecia. Era tudo muito diferente. E, no seu primeiro Ano
Novo nessa cidade, seu pedido foi VOLTAR NO TEMPO, ficar com sua família
materna e voltar a ver o por do sol nas montanhas. Virou o ano e esse pedido não
foi atendido, nem nesse ano, nem nos próximos, muito embora ela continuasse por
muito tempo incluindo esse pedido à sua lista.
Nos anos seguintes, Nina percebeu que a lista não estava diminuindo e sim crescendo. Percebeu também que seus pedidos foram se modificando. De alguns ela já havia desistido. Além disso, o ano novo neste novo lugar era muito diferente. Todos tinham que colocar roupas novas e tinha que ter muita comida na mesa. E, na casa de Nina, não era assim. Não havia roupas novas e nem mesa farta. Mas, ela ainda insistia nos pedidos. E nada! Pedia uma casa melhor, nada acontecia. Pedia para seu pai parar de beber, nada acontecia. Pedia para não ouvir mais gritos, nada acontecia. Pedia para não ver mais sua mãe chorar, nada acontecia. Era pra desanimar. "Meus pedidos não são atendidos, porque faço tudo errado. Fico vestida com roupas velhas e não tem festa!”- pensava ela.
Na cabeça de
Nina, todos que estivessem “de acordo” com o Ano Novo, teriam seus pedidos
atendidos. E o pior é que isso explicava muita coisa durante o ano. As coisas
não iam bem nos estudos, porque ela não fez o pedido direito. E nem pensem na palavra “superstição”. Nina
nem imaginava que isso existisse. Além
disso, ela perdeu algumas pessoas que ela pediu, com toda forca do mundo, para
ficarem com ela pra sempre. E isso doeu.
Embora cada
vez mais adulta e “amadurecida” feito fruta colhida verde e embrulhada num
jornal, que impede de respirar para
ficar logo “no ponto”, ela ainda tinha a necessidade de acreditar que, mais
adiante poderia ser diferente. Agora
Nina sabia quem a,tendia ou não os pedidos. Em Papai Noel ela nunca acreditou.
Mas aprendeu a acreditar numa Forca Superior que poderia tudo nessa vida.
A essa
altura, ela já possuía entendimento suficiente para saber que somente pedir não
adiantava. Ela tinha que fazer a parte dela. E ela fazia. Do seu jeito torto,
mas fazia. Não se tornou uma má pessoa porque seus pedidos não foram atendidos.
Não sentia inveja das pessoas cujos pedidos “foram atendidos”. Mas, de uma
coisa ela tinha certeza: foi preciso acreditar MUITO e SEMPRE para não largar
mão de si mesma. E isso lhe fez muito bem, porque, muitas vezes, esperança é só o que se tem.
Também já
estava claro que os pedidos nada tinham a ver com mesa farta ou roupas novas,
brancas, amarelas etc. Nina conheceu muita gente e transitou por muitos lugares
diferentes e via que o branco da roupa quase nunca correspondia ao branco da
alma. Que na mesa farta da virada do ano, muita gente comia sozinha na maior
parte do tempo. Que, depois que os fogos
de artifício silenciavam, não se abria um “portal” para um mundo sem novinho e
sem problemas...
Muitas
coisas boas aconteceram na vida de Nina. Ela se tornou uma pessoa feliz. Ela é otimista e
sensível. E ser otimista e sensível; às vezes dói. Ela aprendeu rápido que,
além de pedir é preciso correr atrás e não é pouco não; que é preciso fazer por
merecer; que não tem data prevista para o atendimento dos pedidos (não é porque
se pede neste ano que aconteceram ano que vem); alguns pedidos de Nina
demoraram muito para chegar; aprendeu que tudo que não teve antes ou que ainda
não tem não é tão essencial assim. E, principalmente, aprendeu que não são as coisas
que estão ao seu redor que fazem a diferença, mas as pessoas e o quanto de amor
você tem para oferecer.
Se vocês me perguntarem como Nina está hoje, posso afirmar que ela está bem. Ela coleciona momentos e experiências boas e bonitas, tem muitos amigos, tem uma linda família, tem alguém para amar e; bem por isso, ela sabe que, mais cedo ou mais tarde, alguns pedidos são atendidos. Quanto aos que não aconteceram ao longo de sua vida, Nina tem uma explicação bem simples: ela não estava pronta para eles e nem eles para ela. E, quanto à partida de pessoas amadas, ela aprendeu que algumas “viagens”são inevitáveis e que a ausência, apesar de dolorida nos ensina que se ainda estamos aqui para lembrar de quem partiu, temos a obrigação de viver da melhor maneira possível, porque a vida é um sopro . Nina entende que nem todos os pedidos são atendidos; dependendo dos pedidos, quase nunca serão. Mas, ela ainda fecha os olhos à meia noite e pede.
Só sei que, todos os anos, no dia 31 de dezembro, eu me lembro de Nina, ainda criança, apertando as mãozinhas uma na outra de olhinhos fechados, me lembro de onde ela conseguiu chegar e penso: “vale a pena fazer pedidos e acreditar que, ao menos uma parte deles, se realizará para mim e para você"
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