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EDUCAR É, ANTES, SENTIR... E TODOS SÃO CAPAZES DISSO.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

100 HORAS OFF (HUNDRED HOURS DISCONNECTED)

POR MARI MONTEIRO





Ficar cem horas off pode parece pouco. Tem gente que fica mais, seja por opção ou por necessidade. Mas já vi (e você também rs) pessoas  surtarem por conta de minutos  sem internet ou por conta de internet lenta). No meu caso foi tudo junto: uma viagem necessária para uma região serrana, precisamente num sítio, sem sinais para qualquer operadora de celular e muito menos para internet, para visitar minha Tia- Mãe Guinha. Além disso, confesso que experimentar algo “diferente” me atrai. Digo diferente, porque da última vez que fui pra lá, fiquei apenas dois dias...


O fato de olhar em volta e só ver e ouvir a natureza é algo que não faz parte da nossa rotina, corremos até mesmo o risco de esquecer como é. Já no caminho, a paisagem começa a mudar, gradativamente, a cor cinza vai sendo substituída pelo verde. Sempre achei aconchegante olhar em volta e ver montanhas e mais montanhas.




À noite, nos entretemos com um único canal de TV. Mas, eu e minha sobrinha achávamos mais interessante ficar lá fora, onde não se enxergava um palmo diante dos olhos. Daí a impressão da magia: mais e maiores estrelas que em qualquer outro pedaço de céu. Além dos vaga-lumes... Nem me lembro de quando vi um na cidade.


Certamente quem é daqui como minha tia, tios, primos não vêem a diferença no cheiro e na densidade do ar. Por exemplo, o cheiro das folhas dos eucaliptos pra mim é algo inebriante. Remete-me à infância. As pessoas daqui CONVERSAM gente! E elas conversam sobre os mais variados assuntos e, com seus diálogos simples, se fazem entender de um jeito simples  e coerente pertencentes apenas aqueles cujo conhecimento não advêm apena das teoria, mas da lida diária.


Aqui a prosa corre fácil. As pessoas não são monossilábicas. Basta puxar um fio da meada de um causo antigo a e pronto. Tem conversa pra noite toda. Tente fazer isso no nosso dia a dia atropelado pela correria, ou no meio de um programa de TV, ou quando alguém estiver mexendo no celular... A pessoa, no mínimo, vai olhar pra sua cara ( com sangue no olho, claro rsrsrs) e, puta porque foi interrompida, vai se limitar a acenar negativamente com a cabeça.



Numa destas manhãs, acordei com meu primo, que tem mais de cinqüenta anos dizendo: “Bênção Tia, Bênção Tio!” E logo já foram convidados pra um café na cozinha que, segundo Rubem Alves, é o coração da casa. Não demorou e minha mãe veio chamar: “Vamos meninas! Sua Tia Rosinha e o Primo Juza vieram buscar vocês pra almoçar!” Não que estas palavras não existam no nosso cotidiano; mas, assim, com este carinho e com esta gentileza, não existem não. Pense em um vizinho que mora em outro bairro, vindo a pé até sua casa pra te levar pra casa dele pra almoçar...


Todo final de tarde saíamos para caminhar, pés no chão, vento nos cabelos, uma tarde destas vimos muitos tucanos bem de pertinho. E foi então que pensei: “Como suportamos tanta pressão, tanta poluição sonora e não surtamos amiúde???”. Outra coisa que me ocorreu é que, muito provavelmente, eu estivesse gostando tanto do silêncio e dos diferentes sons, porque tinha certeza de que meus dias ali estavam contados. O meu reencontro com a URBANIDADE estava marcado. Talvez não ficasse tão tranquila, por exemplo, se não tivesse certeza de quanto tempo ficar ali.



Por ora, o que sabia era que a QUIETUDE havia tomado conta de mim. Embora eu deva ter demorado aproximadamente umas oito horas para desacelerar, o que não foi muito. Na cidade, devido aos fatores externos, dificilmente conseguiria este feito. À noite, depois que todos se acomodavam em suas camas, só se ouvia o som do vento, grilos... Nenhuma moto zuando com o escapamento aberto; buzinas; sirenes; gritos de pessoas na rua, vozes na vizinhança, carro com som alto (aliás, carro nenhum rsrs). E aí amigo era só EU COMIGO MESMA, do tipo: “Vem cá minha nega, vamos conversar!”. A principio, foi assustador. Eu não queria conversar comigo mesma... Sou complicada, tenho muitas coisas pra resolver, de outras quero fugir... Mas, o inevitável encontro aconteceu. Doeu? Sim. É agradável ouvir a própria voz dizendo verdades? Não! Ter a certeza de que é só você que pode enfrentar todos os seus medos, que mais ninguém fará isso por você é assustador, mas determinante.


Fato é que passei por um enfrentamento bom, necessário, lúcido e inesquecível. Um enfrentamento que só foi possível aqui: entre os meus, pisando no chão, no silêncio absoluto da noite. O que nunca teria acontecido na minha zona de conforto. Aqui o silêncio é tão grande que “grita” e, de algum modo, ele sussurra: “Também sinto medo de mim”.


Na minha última noite lá, em pé, numa clareira, tratei de firmar alguns compromissos comigo mesma: apertar o “reset” de vez em quando, me isolar da enxurrada de imagens, de sons, de gritos, da competitividade desleal; da vaidade excessiva; dos padrões... Do famoso “vender o almoço pra comprar o jantar”.



O que percebo – e isso é muito pessoal – é que CAMINHO RUMO AO NADA FAZENDO DE UM TUDO. Corremos muito pra chegar a lugar nenhum; discutimos tudo que já foi dito e que já foi feito, literalmente, andamos em círculos e sem “pausas”, acreditando que estamos indo sempre para frente. ENGODO! Não estamos. O máximo que estamos conseguindo é adoecer nossa alma. E o que fazer? Retroagir? NÃO! Estagnar? NÃO! É mais complexo que isso: encontrar e manter o EQUILÍBRIO entre afazeres diários tão antagônicos: cumprir regras X relaxar; “bater metas” X lazer; usar as ferramentas tecnológicas sem se deixar escravizar por elas...  E por aí vai.

O que torna a busca de equilíbrio tão difícil é o fato de que vivemos num mundo, onde somos peças de catálogos. Procuram-se amizades e casos  de amor de acordo com as poses e com as descrições feitas no catálogo. Sinto-me privilegiada por ter aproveitado cada momento em que estive “off”para determinadas coisas e “on”para outras. Foram 100 horas incríveis:


►100 horas off de celular e on de conversa.
►100 horas off de touch e on de abraços.
►100 horas off de youTube e on de paisagens reais.
►100 horas off de fone de ouvido e on de sons da natureza.
►100 horas off de vista cansada e on de descanso para os olhos.
►100 horas off de Google e on de descobertas maravilhosas.
►100 horas off de áudio de whats e on de vozes reais.


Destas horas, guardarei muito aprendizados... Um deles é que não demonizo de modo algum a tecnologia e a aglomeração da cidade grande; simplesmente, porque não são estes aspectos que determinam quem devo ser ou poderei vir a ser. Outro aprendizado e o mais raro deles é que podemos estar cercados de dezenas de pessoas, mas  estarmos sós; podemos estar cercados de toda tecnologia existente e ela não nos livrará de um mal súbito nem da perda de quem amamos; podemos estar cercados de amigos e, ainda assim, sermos traídos. 

Enfim, a verdade é que, pobres de nós, que achamos que poderemos passar a vida fugindo de um encontro fatal conosco mesmos, ele nos espreita logo ali... No silêncio com que, cedo ou tarde, nos esbarraremos.

 


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