POR MARI MONTEIRO
Nem é de bom tom andar pelas ruas encarando as pessoas,
prestando atenção nos semblantes, nos comportamentos e; sobretudo, na maneira
com as pessoas nos olham. Isso não nos parece nada educado não é? Porém, dentro
do que chamamos de educação informal, a boa educação recomenda que nos
cumprimentemos, que olhemos nos olhos das pessoas que falam conosco...
Comportamentos cada vez mais raros. Dependendo da situação ou lugar, pode até
se considerar como um comportamento suspeito. Porém, se estivermos usando
óculos escuros e, preferencialmente, a maioria dos outros não estiver, é
possível observar comportamentos e atitudes muitíssimo interessantes ou
bizarros, dependendo do ponto de vista (ou de visão, literalmente.).
Numa destas tardes super claras de outono me flagrei fazendo
tais observações. Foi uma experiência “diferente”, pra dizer o mínimo. Passava
das 17h, mas ainda havia sol. E eu, por conta da minha fotofobia, saí do
trabalho rumo ao centro da cidade usando meus óculos escuros. É uma boa
caminhada! Imagine se não aproveitei para prestar atenção em cada pessoa que
passava por mim: homens, crianças, idosos, jovens, mulheres... Enfim todo mundo.
Havia mais um aspecto, além dos óculos escuros, a meu favor.
Neste horário, as pessoas estavam vindo e eu indo (confuso? RS); ou seja, eu
estava caminhando no contra fluxo, parecia que apenas eu caminhava naquela
direção e o restante da ‘humanidade’ vinha na minha direção. No começo, parecia
mais uma sandice (adoro esta palavra) de minha parte; mas, depois de
sistematizar mentalmente meus procedimentos, meus planos fizeram algum sentido.
Então, fiz algo que nunca havia feito antes: caminhei olhando
atentamente para todos; nos olhos de todos (para ver para onde olhavam); para
suas roupas; para suas fisionomias... Dei-me conta de que as lentes escuras nos
conferem uma espécie de anonimato, porque ninguém sabe exatamente pra onde
estamos olhando. Imagine eu fazendo isso SEM óculos escuros, apanharia da
primeira pessoa que eu observasse; melhor dizendo, encarasse. Já que me propus a analisar as pessoas,
diminuí os passos e fiz tudo com “todo tempo do mundo”. Vi coisas incríveis;
inusitadas; bizarras; engraçadas; gentis e muita gente apressada. Para que eu
não me perca na narrativa (o que é bem fácil rs), farei as descrições seguindo a ordem dos adjetivos
dados às(?) minhas observações.
- INCRÍVEIS: um casal com três crianças pequenas e sem dar
as mãos pra nenhuma... Todos em filha indiana. Como pode não ser atropelados?
- INUSITADAS: pessoas (acho que vi pelo menos três) falando
sozinhas e muito alto. Uma delas, nitidamente, com problemas mentais; mas as
outras estavam muito bem vestidas com bolsas e sacolas... Vai saber. Uma destas
duas bem arrumadas falava palavrões para todos que olhassem na sua direção, inclusive, ouvi o meu.
“Tome!” – diria meu paizinho. Também percebi que as mulheres nos olhos mais do
que os homens.
- BIZARRAS: Moleques com garrafas de água para jogar nas
pessoas que passavam por baixo da passarela. O casal de bêbados que moram sob a
passarela trocando socos por conta de um cigarro. Casais que passam de mãos
dadas e o homem te olha da cabeça aos pés.
- ENGRAÇADAS: Uma senhora arrastando o filho e falando:
“Venha ovelha desgarrada do pastor!”. No que a criança respondia chorando:
“Eu não sou uma ovelha e você não é meu pastor!”.
- GENTIS: um gari ao ouvir que uma senhora estava a caminho
da UPA da Vila Magini, se dirigiu a ela para avisá-la que estava fechado pra
reforma. Outro rapaz pegou a fralda de um bebê de colo que caiu. E foi só!
- APRESSADOS: o que mais vi foi a PRESSA DOS CORPOS e o
CANSAÇO NOS ROSTOS. Enquanto registrava estas observações, atinei: “pressa
de fazer o que?”; “Pressa pra chegar aonde? Trabalho? Casa? Escola?” Era com se
a pressa, de certa forma, os deixasse invisíveis e os fizesse pensar: “não olho
pra ninguém, vou reto e quem quiser que se desvie de mim.” Penso assim porque
para olhar minimamente para alguém, é necessário um tantinho de paciência a
calma. Incluo na questão da pressa os headphones (?) e os celulares... Os
“serviços” a que prestam estes objetos também se assemelham aos poderes do
“manto da invisibilidade”: eximem da obrigação de cumprimentar, de responder, de
olhar para as pessoas etc.
Esses comportamentos observados parecem pouco demais. Porém,
se pensarmos que nem nos olhamos quando caminhamos na rua, eles adquirem uma
proporção de cenário... Um cenário com personagens anônimos, cada um com seus
dramas pessoais e sociais e que a gente não quer nem saber... Somos
condicionados e ”empurrados” pelas circunstâncias para agir assim: cada vez
mais autômatos. Isso é assustador! Quanto mais isolados, menos conversamos;
quanto menos conversamos, menos nos HUMANIZAMOS. Haverá cada vez menos
afetividade entre as pessoas...
Sobre o cansaço, alternado com semblantes embrutecido, observado
nos rostos da maioria, não encontrei muitas conjecturas. Era cansaço ou raiva
ou AS DUAS COISAS JUNTAS. Todos nós andamos visivelmente cansados. Mas a pressa
me intrigou. Por conta dela, deixamos de VER; de OUVIR, de SENTIR; de DESCOBRIR
tantas coisas. Momentos não voltam... Oportunidades perdidas não voltam...
Palavras não ditas se calam pra sempre... Estamos perdendo o gosto de ser humanos
e, por tabela, perdendo o gosto pela humanidade. Fiquei imaginando até onde
iriam aqueles tantos passos apressados; onde cada um pararia para descansar o
cansaço dos rostos, talvez...
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